Maisa já não era só a menina que caíra da escada, ou a estudante que vendia salgados na escola. Agora era uma testemunha. E testemunhas, quando verdadeiras, não conseguem ficar caladas para sempre.
Na manhã seguinte, acordou antes do amanhecer. A casa ainda estava em silêncio, só o respirar leve dos irmãos e o cansaço profundo dos pais pairando no ar. Foi até a cozinha, aquele lugar onde a falta era mais visível, e olhou para as panelas vazias, para o pote de farinha quase no fim.
Mas em vez de desespero, sentiu uma faísca.
Lembrou-se da mãe, Maria, plantando sementes longe do mar. Lembrou-se de como a terra, mesmo longe, mesmo difícil, tinha respondido com verduras. Lembrou-se também do professor Raul, da camisa guardada, do gesto que não pedia nada em troca.
"Se a mãe conseguiu fazer a terra dar frutos," pensou, "eu também posso fazer algo."
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Naquele dia, em vez de ficar só a observar pela janela, saiu. Pela primeira vez desde a queda, caminhou até o lugar distante onde a mãe plantava. O sol estava forte, mas ela seguiu, sentindo a dor no lado esquerdo como uma lembrança, não mais como uma prisão.
Quando chegou, viu o pequeno terreno. Era pedregoso, mas limpo. Algumas folhas verdes já brotavam — couves, tomates pequenos, um pé de feijão. Havia ordem ali. Havia cuidado.
Maria estava de costas, arrancando mato. Quando viu a filha, surpreendeu-se.
— Maisa, estás bem? O que fazes aqui?
— Vim ajudar, mãe.
E assim começou. Juntas, mãe e filha capinaram, regaram, cobriram a terra com palha. E enquanto trabalhavam, Maisa falou. Falou do que tinha visto pela janela, das crianças no lixo, da rapariga que correu para a escuridão, da camisa do pai, dos caminhos paralelos.
Maria escutou, as mãos na terra, os olhos sérios.
— O mundo é assim, filha. Duro. Mas a terra não mente. A terra só precisa de cuidado para dar fruto.
— E as pessoas? — perguntou Maisa, a voz um fio.
— As pessoas também são terra. Umas estão secas, outras estão férteis. Umas foram pisadas, outras foram regadas com amor.
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Na volta para casa, Maisa parou na beira do mar. Desta vez, não o viu como fuga, mas como espelho. O mar levava, sim, mas também trazia — algas, conchas, às vezes até peixes pequenos. O mar não era só perda. Era movimento.
Naquele momento, ela tomou uma decisão silenciosa.
Se não podia mudar a cidade toda, podia começar por um pedaço.
Se não podia salvar todas as crianças, podia cuidar dos irmãos.
Se não podia dar comida a todos, podia ajudar a mãe a plantar mais.
E se não tinha roupas bonitas, podia lavar e remendar com amor a que tinha.
Não era um plano grandioso. Era uma semente.
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À noite, quando o pai chegou cansado, ela aproximou-se.
— Pai, posso ver como consertas os sapatos?
Olíces olhou para ela, surpreso. Depois, sorriu — um sorriso raro, que iluminou o rosto marcado.
— Claro, filha.
Sentaram-se juntos na luz fraca de uma lamparina. Ele mostrou como passar a linha, como firmar a sola, como dar novo passo a um sapato gasto. E Maisa aprendeu. Não apenas a consertar calçado, mas a consertar o invisível.
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O capítulo 4 mostrou a escuridão.
O capítulo 5 é sobre acender uma luz — pequena, tremulante, mas real.
Porque às vezes, o despertar não vem com um grito.
Vem com as mãos na terra.
Vem com uma pergunta feita ao pai ao anoitecer.
Vem com a decisão de não apenas observar a vida,
mas de plantar algo nela.
E Maisa, pela primeira vez,
estava plantando.
