O eco do fim da apresentação dos três herdeiros principais ainda vibrava no ar como uma descarga elétrica. O público não conseguia se acalmar. Era como se o coliseu inteiro respirasse mais rápido. O silêncio que havia sido respeito agora era inquietação, murmúrio, expectativa. Alguns estudantes ajeitavam o uniforme, outros engoliam seco sem saber por quê.
Havia algo estranho no ar.
Merlin, ainda diante da multidão, observava com um leve sorriso contido — o típico sorriso de quem sabe que aquilo ainda não era nada.
— Imaginem — disse ele calmamente, com a voz translúcida e grave — se esses três já sacudiram sua respiração… o que dirão dos outros?
Um arrepio coletivo percorreu a arena. Era como se a temperatura oscilasse. Não era frio ou calor. Era apenas… presença.
Merlin ergueu o cajado. Uma runa azul brilhou suavemente no chão.
— Apresento a vocês… o Herdeiro do Reino da Morte. Guardião do Fronteiro Final. O Último Juiz.
A luz se apagou.
Foi como se as cores fossem arrancadas do ambiente. Sons se distorceram. Algumas tochas se apagaram. O murmúrio cessou. Ninguém mandou silêncio. Ele apenas aconteceu.
E então ele entrou.
Caminhando como se estivesse atravessando dois mundos simultaneamente.
Kael Arkanet. Filho de Anúbis. Guardião das Almas.
Não havia explosão. Não havia barulho. Mas todo o chão parecia sentir sua presença.
Sua postura era ereta, tranquila, mas irrefutável. Parecia alguém que já havia visto tudo — guerras, reis, templos, morte — e não se intimidava com nada.
A aura que o envolvia flutuava como poeira dourada iluminada pelo luar, se movendo como se fosse viva. Alguns juraram ouvir sussurros. Não de espíritos… mas de consciências.
O chão abaixo de seus pés exibiu por um instante símbolos egípcios que queimaram, depois desapareceram.
Seus olhos — profundos, escuros, com aro dourado brilhante — varreram o coliseu.
Pareciam olhar através das pessoas, não para elas.
Ele não falava.
Não cumprimentava.
Não sorria.
Ele apenas… via as almas.
Não com julgamento.
Mas com leitura.
Como se, com apenas um olhar, ele já soubesse quem você realmente era.
Culpado.
Corrupto.
Autêntico.
Perigoso.
Nada escapava.
E o mais arrepiante? O público parecia saber disso. Instintivamente. Era como estar vulnerável diante do espelho da própria alma.
Ele parou no centro.
As runas desaparecem.
Os sussurros cessaram.
E apenas uma sensação restava:
> "Esse não é apenas um herdeiro.
Esse é o guardião das fronteiras entre vida e morte."
Alguns o chamaram, com um arrepio:
— O Balanço Final…
Outros apenas olharam com profundo respeito.
E então…
A atmosfera mudou de novo.
Mas dessa vez, não foi calma.
Foi… errada.
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O vento ficou mais seco.
As tochas que haviam apagado não se reacenderam.
E o chão tremeu — discretamente… mas tremeu.
Merlin fechou parcialmente os olhos… como se já esperasse isso.
Alguns professores se levantaram discretamente do balcão. Não por empolgação. Mas preparação.
Porque aquela apresentação não era planejada.
Mas era inevitável.
Um sussurro mecânico percorreu o ar. Não espiritual. Algo mais antigo. Mais do que morte. Mais do que vida.
Algo que nem deveria existir.
Algo que não era bem-vindo.
O chão se abriu levemente no centro. Não com explosão. Mas com… fratura. Como se o próprio mundo tivesse medo de tocá-lo.
E caminharam passos lentos.
Um…
Dois…
Três…
Cada passo… rachando a rocha.
Ele surgiu…
Azrael Nightshade.
O Corrupto Imortal.
O Exilado do Tempo.
O que não pertence a nenhum plano.
Não havia aura bonita.
Não havia destruição barulhenta.
Não havia luz.
Havia apenas… distorção.
Como se a própria realidade estivesse tentando expulsá-lo daquele lugar. Linhas de ar tremulavam ao redor dele, como se a existência resistisse à sua passagem.
Seu cabelo negro era comprido, com pontas esbranquiçadas como porcelana rachada. Sua pele era pálida, porém não viva. Não morta. Algo… artificial.
Os olhos? Vermelho profundo, mas não demoníaco. Algo além de demoníaco. Como se pertencesse a um tempo antes da moralidade.
Sua presença não gritava poder.
Ela gritava erro.
Algo que o universo não consegue corrigir.
E por isso, tolera.
Com medo.
Ninguém aplaudiu.
Ninguém reagiu.
Alguns herdeiros engoliram seco.
Outros recuaram sem perceber.
Os três protagonistas estavam assistindo.
O Filho do Macaco enrugou os olhos.
O Filho de Loki calou qualquer piada.
O Filho de Jack Frost cruzou os braços, desconfortável sem saber por quê.
Mas Kael Arkanet?
O Filho de Anúbis?
Ele olhou direto para Azrael.
Como se estivesse examinando algo fora do plano natural.
E foi quando todos sentiram.
Dois olhares se encontraram.
E, por um segundo,
— só um —
as tochas se apagaram.
A arena estremeceu.
Ninguém respirou.
Não eram inimigos.
Eram extremos.
Vida e Morte… vs. Anti-Existência.
Azrael caminhou calmamente até sua posição. Ele não olhou para ninguém. Até parar.
E só então, lentamente, olhou para Kael.
E sussurrou.
— Você não pode me julgar.
Kael respondeu sem emoção.
— Eu não vim para julgar.
Vim para garantir que você exista nos limites corretos.
Foi a primeira vez que o público gelou por uma conversa.
Merlin, vendo que aquilo podia ir longe, quebrou a tensão:
— E com isso… — sua voz suave, porém firme — apresentamos os dois últimos nomes…
Aqueles que todos respeitam, mas poucos ousam pronunciar.
Ele ergueu o cajado.
— Herdeiro da Ressurreição.
— E o Imortal Errante.
Os dois permaneceram parados, como se o destino do mundo dependesse de como se olhavam.
Azrael sorriu de leve. Um sorriso… perigoso.
Kael manteve seu olhar firme.
E ninguém ousou piscar.
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Merlin então respirou fundo.
A tensão se dissolveu — não porque quis.
Mas porque teve medo de ficar.
— Estudantes — anunciou ele, com voz grave.
— Amanhã… os Portões se abrirão.
Silêncio absoluto.
— E em… dois dias, haverá a Primeira Apresentação dos Herdeiros.
Não amistosa.
Não simbólica.
Uma apresentação… real.
A arena vibrava.
Não de empolgação.
Mas de instinto.
Com medo…
ou com fascinação.
O eco das últimas palavras de Merlin ainda pairava no ar como fumaça pesada:
> "Em dois dias, haverá a Apresentação dos Herdeiros."
Mas a cerimônia ainda não havia terminado.
Merlin baixou o cajado lentamente — e era possível notar, em sua expressão antiga, que agora chegavam perfis igualmente importantes. Não tão perigosos como Kael ou Azrael… mas igualmente essenciais.
— Agora — disse ele, com elegância — verão os Herdeiros que representam sabedoria, equilíbrio, sangue puro… e caos inevitável.
Um novo círculo de luz se abriu.
Dessa vez, a energia era suave, refinada, quase como neve silenciosa.
E então ela entrou.
Arthea Von Dräken. Herdeira de Drácula. O Sangue que Persiste.
Sua presença era enigmática, elegante, e profundamente… hipnotizante.
Olhos rubi intensos, como se o brilho interno contivesse uma lua carmesim. Seus cabelos ondulados, longos, quase flutuantes, eram de um negro profundo com reflexos vinho. Sua pele clara contrastava com o uniforme adaptado: peça preta com detalhes vermelhos vivos, gola alta, insígnias prateadas e uma capa sutilmente transparente, como névoa noturna.
Mas não era sua beleza que silenciava a multidão.
Era sua postura.
Serena.
Observadora.
Contida.
O tipo de pessoa que enxerga sem julgar — mas nunca esquece.
Seu poder era discreto.
Mas… extremamente incômodo.
Principalmente para quem mentia para si mesmo.
Ela caminhou calmamente, como se a eternidade fosse seu tempo natural. E antes de se posicionar, seus olhos cruzaram com os de Kael Arkanet.
Não houve tensão.
Houve reconhecimento.
Duas presenças silenciosas… que conheciam demais.
Azrael observou-a com leve raiva.
Ele a ignorava. Ela não.
— Ele… — murmurou ela, séria — não pertence a nenhum plano.
O Filho de Loki sorriu de canto.
O Filho do Rei Macaco apenas coçou a cabeça, sentindo um arrepio sem saber por que.
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Merlin continuou.
— Agora… alguém bem menos silencioso.
O chão tremeu. Mas não de medo — de poder bruto.
Um som metálico ecoou, como trovão rasgando ferro.
Bjorn Thórdall. Filho de Thor. O Martelo Vivo.
Loiro, com cabelo comprido trançado parcialmente, porte imponente, aura elétrica azulada circulando como faíscas constantes. Seus olhos cinzentos brilhavam como nuvens antes da tempestade.
Ele carregava um colar de runas metálicas e uniforme militar personalizado — botas reforçadas, jaqueta escuro-azulada com detalhes prateados, e luvas de impacto com inscrições antigas. Andava com passos firmes, como se cada passo afirmasse algo:
Não sou rei. Sou raio.
Ele olhou brevemente para o Filho do Rei Macaco.
E sorriu.
— Você… parece divertido.
O Filho do Macaco arregalou um sorriso animado.
— Cara, você tem cara de quem quebra cidades com um espirro.
Bjorn piscou, pensativo.
— Só quando estou calmo.
Eles riram. Alguns perceberam:
Essa seria uma rivalidade das boas.
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Merlin respirou fundo. E, dessa vez, sua voz pareceu reverberar com profunda elegância.
— Agora, a presença que representa o tempo. O fluxo inevitável. O relógio escondido sob cada existência.
A luz se moldou… como areia.
E ele entrou.
Chron Al'Zareth. Herdeiro de Cronos. Guardião do Tempo Vivo.
De todos, talvez o mais discreto visualmente. Traje cinza suave com bordas douradas que pareciam… se mover. Não havia barulho ao seu redor. Não havia aura agressiva.
Havia… fluxo.
Seu cabelo era cinza-acinzentado natural, levemente longo. Os olhos? Ouro. Mas não ouro metálico. Ouro… vivo. Como se refletisse eras inteiras.
Ele não intimida com força.
Ele intimida com existência.
Não precisava olhar para ninguém.
Porque ele sabia, antes mesmo de entrar…
Quem cada um deles seria no futuro.
Ele olhou para Azrael.
Não com medo.
Mas com… silêncio.
Azrael, pela primeira vez, desviou o olhar.
Chron se posicionou. Não falou. Não sorriu.
Mas deixou uma sensação clara:
> "Eu já vi vocês todos. Em todas as versões.
Vocês só vivem uma delas."
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Merlin então sorriu, leve, orgulhoso, como se estivesse esperando muito por esse momento.
— Agora… apresento alguém única. Sua magia é viva. Sua energia é instinto.
Ela não domina a natureza. Ela é parte dela.
E então, o ar mudou completamente.
Não era vento.
Não era luz.
Não era magia.
Era vida.
Vida selvagem.
O chão germinou pequenas flores ao redor do círculo. Folhas pairaram lentamente no ar, como se estivessem vivas. E passos firmes, mas descalços, entraram.
Sylvia Edenweiss. Herdeira de Gaia. A Filha da Raiz Viva.
Longos cabelos castanho-claro com fios dourados naturais, como se tivessem luz própria. Olhos verde-esmeralda vibrantes, com uma intensidade diferente da do Filho de Loki: menos astuta, mais instintiva. Seu uniforme era adaptado com tecidos orgânicos, detalhes florais vivos, símbolos naturais entalhados em couro. Não havia elegância real… havia autenticidade.
Sua aura? De todas, a mais confortável.
Calma. Instintiva. Mãe e fera ao mesmo tempo.
Ela olhou para o Filho de Jack Frost.
Ele, pela primeira vez, perdeu a pose minimamente.
Ela sorriu. Não romântico.
Algo… instintivo.
Como se dissesse:
> "Seus elementos são bonitos. Mas vivos, eles seriam mais perigosos."
E o Filho de Jack Frost não conseguiu evitar:
sorriu de volta.
Não por charme.
Por respeito.
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Todos presentes agora.
Filhos dos mitos.
Filhos da guerra.
Filhos da origem.
Filhos da ruína.
O silêncio agora era diferente.
Não era medo.
Era… grandeza.
Esses não eram estudantes comuns.
E a Academia?
Não era uma escola.
Era o ponto de encontro…
De herdeiros do destino.
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Merlin ergueu o cajado — pela última vez.
Sua voz ecoou como sino, como trovão, como suspiro das eras:
> — Em dois dias, começará a Apresentação dos Herdeiros.
— Não será batalha.
— Será… revelação.
Luzes se apagaram.
E apenas uma frase ficou estampada em cada mente:
> "A partir daqui… nenhum destino permanece silencioso."
