"Anteriormente, em A Caçada...
Uma preguiça transformada em arma viva.
Um laboratório que esconde monstros atrás da palavra 'vacina'.
Uma repórter infiltrada, um cientista obcecado, um bilionário que compra o silêncio do mundo.
Lá fora, a cidade grita. Lá dentro, a ciência sussurra coisas que ninguém deveria ouvir.
Agora, a rua e o laboratório vão colidir.
O que era investigação vira guerra.
O que era experimento ganha dentes, garras... e consequências.
Bem-vindo à Edição 2 de A Caçada.
A partir daqui, ninguém sai ileso."
No coração do caos que se forma em frente ao Laboratório Magnus, a frieza de certos homens continua inabalável. No meio da tensão, o rosto impassível de Fernando, o gigante de terno escuro e óculos que nunca saem do rosto, ocupa o quadro. Sem alterar a expressão, ele toca discretamente o comunicador no ouvido.
"Senhorita. Eles chegaram."
A cena corta para o interior do laboratório, onde o ar parece mais pesado do que nunca. No centro, Vanessa, ainda cercada por máquinas e ameaças.
Em primeiro plano, o rosto de Adriele domina o quadro. Os cabelos longos, o corpo atlético em repouso felino, os olhos azuis intensos — quase voraz — continuam cravados na repórter, mesmo enquanto ela responde ao chamado no comunicador.
"Ok. Estou indo."
Dr. Marcos, que até poucos segundos antes saboreava cada resposta de Vanessa como se estivesse no controle absoluto da situação, finalmente deixa a máscara científica ceder.
A postura ainda elegante, o jaleco ajustado, mas o olhar preocupado.
"O que houve?"
Adriele só então desvia levemente o olhar da "ratinha" à sua frente.
O tom, antes brincalhão e cruel, traz agora um traço de apreensão:
"Eles estão aqui. Os manifestantes chegaram."
Um close invade o rosto de Vanessa. A ruiva, até então sustentando apenas desafio e medo, vê algo novo atravessar o olhar negro: esperança.
A palavra ecoa dentro dela como um sinal de que talvez não esteja sozinha.
(Manifestantes...)
Em contraste, o rosto de Dr. Marcos endurece, os olhos azuis se estreitam, o maxilar trava. A preocupação cede lugar a um ódio puro, quase animal.
"Aqueles malditos ativistas..."
A narrativa dá um salto para longe do laboratório. Na suíte luxuosa da mansão à beira-mar, o clima é outro: silêncio caro, mármore, conforto.
Mauro Magnus, vestindo um hobby caríssimo de pele Zibelina Russa ainda em êxtase da noite anterior, atende o celular ao lado da cama, a voz carregada de sono e luxuria.
"O que foi?"
A voz de Adriele chega pelo telefone, firme e objetiva, sem o tom de jogo que usa com a presa:
"Senhor... eles estão aqui. No portão principal do laboratório."
A partir desse momento, o jogo de poder muda de tabuleiro — e o primeiro raio de esperança começa a atravessar as paredes de vidro.
Na mansão à beira-mar, o luxo parece anestesiar qualquer traço de humanidade. Em pé, com o celular na mão, Mauro Magnus fala como quem resolve um detalhe burocrático, não vidas humanas. O tédio frio estampa seu rosto, cada palavra calculada.
"Não quero essa escória atrapalhando os meus planos. Se livrem desse lixo. Agora."
A cena corta para o corredor iluminado em azul do laboratório. Adriele avança em passos firmes, junto de seus bravos soldados, respondendo ao chefe com a precisão de uma guerreira treinada.
"Sim, senhor. Fernando e os demais estão na frente, evitando a invasão. Eu vou para o acesso principal com o meu grupo."
Voltamos à mansão. Um close nos lábios de Magnus revela um leve sorriso cruel nascendo. A narração acompanha a metamorfose:
E então, a voz dele muda. Torna-se doce. Macia. Puro veneno psicológico.
"No vou admitir falhas, está entendendo, Adriele?"
O quadro se estreita ainda mais: apenas um olho de Magnus — frio, impiedoso.
"Se você falhar... eu esfolo você viva. Entendeu?"
No corredor, o impacto é visível. Pela primeira vez, a máscara de confiança de Adriele racha. O olhar azul, sempre seguro, vacila. Uma gota de suor escorre pela têmpora. A voz, antes cheia de escárnio, treme.
"S-si-sim... Senhor."
rrrnnnn...
O ronronar que escapa não é de satisfação, mas de medo puro.
Magnus desliga o celular com um toque seco, o rosto contorcido em desprezo.
"Odeio quando ela ronrona."
De volta ao laboratório, Adriele fecha a "caixa de ferro" dentro de si. Em segundos, o medo desaparece da superfície. A comandante retorna. Ela toca o comunicador, e a voz explode firme, alta, implacável:
"ATENÇÃO, TODAS AS UNIDADES! Bloqueiem todos os acessos, AGORA! Quero cada homem disponível nos setores críticos! Sala de segurança, monitorem tudo!"
A caçada está oficialmente em modo de guerra.
A câmera se ergue como se fosse um deus indiferente, observando tudo de muito alto. Lá embaixo, em frente aos portões monumentais dos Laboratórios Magnus, o mundo se divide em dois. De um lado, a onda humana dos ativistas: uma massa viva de cores, gritos, faixas improvisadas, paus, pedras e a força teimosa da convicção. Do outro, a muralha negra dos seguranças de Fernando: uma linha rígida, uniforme, escudos erguidos, capacetes alinhados, cassetetes preparados — uma parede sem rosto.
O embate começa com os manifestantes correndo para cima da muralha de força da Magnus Corp.
O primeiro impacto acontece no exato instante em que o quadro congela. Paus se quebram contra escudos. Corpos são empurrados, arremessados, atropelados pela força do encontro. É o momento preciso em que um protesto deixa de ser apenas protesto — e algo muito mais sombrio nasce.
Não há mais discursos. Não há mais cartazes. O diálogo acaba onde a primeira pedra voa...
...e aquilo que começou como uma manifestação agora tem o som, o cheiro e o gosto de guerra.
No meio da confusão, o som da cidade desaparece, e o que resta é puro instinto. Um close quase brutal captura o rosto de um jovem ativista: o nariz sangra, a respiração é ofegante, e o grito que sai de sua garganta mistura dor, medo e uma raiva que não aceita recuar. Com toda a força que ainda tem, ele arremessa um tijolo em direção à linha de escudos.
O tijolo acerta em cheio o visor do capacete de um segurança.
KRAKK!
O homem, porém nem recua. A resposta vem na mesma velocidade, precisa: o cassetete desce como uma sentença sobre o ombro do ativista.
THWACK!
No coração desse caos, Herika aparece. O rosto manchado de fuligem e suor, os olhos verdes queimando com uma luz febril, determinada. Ela puxa o pino de uma bomba de fumaça roxa, o metal tilinta, e num único movimento arremessa o cilindro em direção ao portão.
"AGORA! AVANCEM PELA FUMAÇA! O PORTÃO ESTÁ LOGO ALI!"
A bomba estoura e uma nuvem espessa de fumaça roxa engole a entrada. Dentro dessa neblina artificial, silhuetas recortadas ganham vida — Herika e um pequeno grupo de ativistas correm, sombras fantasmagóricas atravessando a névoa da batalha rumo ao portão.
Da perspectiva de dentro da fumaça, o mundo lá fora parece distante. Aos poucos, as figuras de Herika e do grupo emergem, quase alcançando o portão. Quase. Porque, de repente, uma forma sólida, imensa, se materializa à frente deles.
Uma montanha.
Fernando.
Ele está parado, impassível, ocupando sozinho o caminho. A fumaça se agita em torno de suas pernas, mas ele não dá um passo para trás. A câmera o mostra de baixo para cima: um colosso, guardião de um portão infernal. Os óculos escuros refletem o caos, mas sua expressão é um enigma duro como pedra.
A voz dele corta o ar, grave, pesada:
"Vocês não vão passar."
Herika não desacelera. Com a respiração pesada, encara o gigante à sua frente como se Fernando fosse apenas mais um obstáculo na lista de coisas que o mundo jogou contra ela.
O rosto está contorcido em pura determinação. Atrás dela, porém, seus companheiros hesitam por um instante — intimidados pela muralha humana que bloqueia o caminho.
A dúvida pesa, mas Herika é o único ponto que não recua.
Logo atrás desse confronto, a batalha maior se desenrola como um pesadelo ao ar livre.
Num grande quadro panorâmico, a "licença poética" da luta cai por terra: não há heroísmo limpo.
Um segurança chuta um ativista já caído no chão, com fúria. Mais ao fundo, dois ativistas se lançam sobre um segurança derrubado e o espancam com pedaços de madeira, cegos pela adrenalina.
Tudo é grito, quedas, impacto — caos absoluto, violência crua.
Na guerra de um homem só, não existem lados.
Um close recorta um momento específico: um segurança isolado, visor do capacete rachado, cercado por três ativistas armados com barras de ferro.
Os olhos dele, visíveis pela fresta quebrada, estão arregalados de medo. A farda, o capacete, o escudo — nada disso esconde o pânico humano.
Apenas a carne, o osso e o concreto...
Então, um silêncio pesado toma conta do quadro seguinte.
O corpo de uma jovem ativista jaz de bruços no asfalto. O cabelo espalhado ao redor da cabeça forma algo que lembra uma auréola quebrada.
Ao lado dela, um cartaz amassado, sujo de marcas de sola e de sangue, ainda deixa visível a frase: "TODA VIDA IMPORTA". É o primeiro cadáver daquela manhã.
...e os primeiros sacrifícios anônimos no altar da ganância de um deus distante.
Em meio à batalha caótica diante dos Laboratórios Magnus, uma van da Rede News canta pneus e para atravessada na rua.
Antes mesmo do motor silenciar, a porta se abre. Um cinegrafista salta com a câmera já no ombro, seguido por uma repórter que avança sem hesitar, mergulhando no olho do furacão.
E onde há sangue... sempre haverá câmeras para televisionar o espetáculo.
Um close captura o rosto da repórter. Profissional, concentração absoluta, a voz firme e urgente, mesmo com o confronto explodindo desfocado logo atrás dela — pedras, gritos, escudos, fumaça roxa.
"Ao vivo, direto dos laboratórios da Farmacêutica Magnus, onde a situação, minha gente, saiu completamente de controle.
O que era um protesto virou um confronto pesado entre ativistas e os seguranças da corporação. É uma verdadeira praça de guerra!"
A cena corta bruscamente para um outro mundo.
Um terraço ensolarado, vista privilegiada para o mar. Mesas de café da manhã impecáveis, toalhas claras, frutas, cristal, prata.
Magnus e Bibi tomam café em paz, envoltos em luxo. Na parede, uma enorme TV de tela plana está ligada em um programa matinal qualquer, com o som desligado.
A alguns quilômetros dali. Onde a guerra é apenas um ruído de fundo na decoração.
Bibi, serelepe, radiante em sua pele de "coelhinha" mimada, serve o marido com carinho e aquele sotaque gaúcho doce:
"Bah, meu bem, mais um pingo de café? É só pra dar uma esquentada no dia, tchê... deixar no ponto, sabe?"
Magnus responde com o sorriso perfeito do marido bilionário, empurrando a xícara na direção dela:
"Sim, meu amor, por favor."
Enquanto ela se inclina para servir o café, a atenção de Magnus escapa por trás do sorriso.
O olhar desliza para a TV ao fundo, justo no momento em que a programação matinal é interrompida.
O painel se transforma na tela da televisão. O rosto sério do âncora da Rede News ocupa o quadro, com a tarja "BOLETIM URGENTE" pulsando em vermelho na parte inferior.
"A T E N Ç Ã O! Uma notícia urgente que acaba de chegar à nossa redação. Neste momento, o Rio de Janeiro é palco de um confronto de proporções alarmantes. Imagens que chegam a nós confirmam uma violência estarrecedora em frente ao laboratório do Grupo Magnus, onde manifestantes invadiram o complexo. A situação é de guerra declarada em plena luz do dia. Voltamos em instantes com mais detalhes e imagens exclusivas."
De volta ao terraço, o mundo perfeito racha num detalhe: um close na mão de Magnus. A xícara de porcelana fina, presa entre seus dedos, se estilhaça sob a força repentina do aperto.
KRAK!
O café preto escorre pelos dedos, pingando na toalha branca. A calma acabou.
O grito não vem da garganta, mas de algum lugar mais fundo, mais escuro.
"MALDITOS... ATIVISTAS... IMUNDOS!"
Bibi, no reflexo, se aproxima com uma ternura que pode ser genuína ou apenas um papel bem ensaiado. Ela toca o braço dele com delicadeza, como quem tenta acalmar uma fera apenas com carinho.
"Oh, meu amor... te acalma. Cuidado com esse teu coração, homem."
O close seguinte é um soco: o rosto de Magnus.
Ele se vira para Bibi, e por um instante o olhar é de puro assassinato.
Não há marido ali, não há afeto. Só raiva, só a sensação de que qualquer coisa entre ele e seus planos é um obstáculo descartável. O painel é mudo, carregado de ameaça.
Mas a fera sabe se conter. Ele desvia o olhar, engole a violência.
Bibi, talvez sem perceber — ou escolhendo não ver —, responde com um sorriso doce e alguns beijinhos soprados no ar.
A desconexão entre os dois grita mais alto do que qualquer diálogo.
Magnus se vira de costas, canalizando a raiva em ação. A voz ecoa pelo mármore da mansão:
"JONAS!"
Mordomo com um ar britânico responde:
"Sim, senhor."
Já no hall, Magnus caminha apressado, removendo seu caríssimo Hobby, enquanto o mordomo impecável traz seu caríssimo terno Ermenegildo Zegna o acompanha em passos contidos.
O poderoso empresário ordena seu a seu fiel mordomo.
"Mande o Pierre preparar o Mustang. Tenho que ir até o local da confusão. AGORA!".
Com todo seu ar britânico Jonas responde:
"Avisarei ao Pierre imediatamente, senhor."
Após estar impacavel em seu terno caríssimo Magnus se dirigi entrada de as suntuosa Mansão, um Ford Mustang conversível esportivo o espera, girando pura potência em seu poderoso motor.
Pierre, o motorista, segura a porta aberta, pronto para servir. Magnus o dispensa com um gesto seco, arrancando as chaves de sua mão sem diminuir o passo.
"Deixa, Pierre. Eu vou sozinho."
O motorista surpreso.
"Sim, senhor."
De cima, a cena parece teatro: Bibi na sacada, acenando e mandando beijos, enquanto lá embaixo Magnus entra no carro sem sequer olhar para cima.
"Oh, meu amor, te cuida, viu? Volta logo pra mim! Beijo!"
O Mustang responde à fúria do dono. Os pneus gritam, rasgando o asfalto da entrada da mansão.
SKREEEEEEEEEECH!
VROOOOOMMMMM.
No laboratório, o clima já não é apenas tenso — é explosivo. Dr. Marcos se volta para dois assistentes de jaleco que passam por perto.
O rosto magro, geralmente contido, agora é uma máscara de fúria controlada. Ele aponta para Vanessa com um gesto curto, autoritário, e solta as palavras como se fossem cortes de bisturi.
"Vocês dois. Removam essa... contaminação... da minha vista. Devolvam esse erro para a unidade de contenção. Imediatamente."
Os assistentes não são seguranças, e isso fica claro quando eles tentam escoltar Vanessa por um corredor branco e estéril, de maneira desajeitada. Antes que cheguem a qualquer destino, as luzes vermelhas de emergência começam a piscar e um alarme estridente toma tudo.
VRIIIIINNN! VRIIIIINNN! VRIIIIINNN!
Em pânico total, um deles passa um cartão às pressas em uma porta qualquer, sem nem conferir direito.
O outro simplesmente empurra Vanessa para dentro da sala, como quem tenta se livrar de um problema o mais rápido possível.
A porta se fecha com um baque pesado.
SLAM!
Silêncio. Na penumbra, Vanessa se ergue do chão, ajeitando o jaleco amarrotado. A expressão não é de pavor — é de irritação cansada.
O carioquês da repórter escapa naturalmente:
"Caramba... que zona. Tô sendo jogada de um lado pro outro que nem pauta de estagiário."
Ela vai até a porta, sem maçaneta apenas com um leitor, olha para o leitor de cartão magnético e suspira.
"Óbvio... Sem o meu crachá, essa parada aqui não abre nem com reza braba."
Então ela vai tateando a parede embusca do interruptor.
Als luzesdo ambiente aos poucos começa a iluminar a sala e pouca a pouco a luz começa a revelar algo incomum, uma fileira de jaulas de vidro tecnológicas, com o mesmo design bem familiar.
Agora, um painel amplo: é revelada a área de contenção das preguiças.
Várias delas ocupam as celas — fracas, sedadas, corpos pesados quase imóveis.
O olhar lento dos animais parece pedir ajuda, implorar por socorro. É uma cena de cortar o coração.
O close volta para o rosto de Vanessa. O horror inicial dá lugar a outro brilho: compreensão.
A mente da repórter entra em modo furiosamente analítico. Ela percebe, com um arrepio, onde caiu.
(Pensamento)
Não... não acredito. A contenção das preguiças... O marco zero dessa pauta sinistra.
Enquanto isso do lado de fora.
A van da Rede News, parada no meio do caos, vira um novo epicentro da batalha.
A câmera, o logo, o olhar atento do cinegrafista — tudo aquilo cria um efeito estranho. Alguns seguranças hesitam, recuam meio passo, viram o rosto para não serem flagrados em uma imagem que pode rodar o país.
Essa pequena fissura na linha de defesa é quase invisível, mas real.
Toda guerra é feita de momentos.
Pequenas distrações.
Brechas na armadura.
Oportunidades que duram apenas um piscar de olhos...
No centro do conflito, Fernando se torna o eixo de um redemoinho humano. O gigante, muralha de Magnus, é engolido por um grupo de dezenas de ativistas.
Eles se jogam sobre ele como ondas: agarram braços, pernas, sobem em suas costas, se prendem ao pescoço.
É um ato desesperado e coletivo, quase suicida, de derrubar o titã.
Fernando ruge de fúria, músculos explodindo, mas, pela primeira vez, o peso dos números o imobiliza.
Herika vê.
E entende.
Os olhos verdes brilham com aquela faísca de quem enxerga caminho onde só existe confusão.
"OBRIGADO, AMIGOS! SEGUREM O GRANDALHÃO!"
"PODE DEIXAR COM A GENTE! VAI!" — responde um dos ativistas, quase esmagado sob a massa, mas rindo no meio da dor.
Num painel amplo, Herika puxa um grupo menor, mais leve, mais rápido, numa corrida desesperada em direção à entrada do laboratório. Eles se esquivam entre corpos, escudos, fumaça, gritos.
"VAMOS, GALERA! PARA A ENTRADA!"
A escadaria principal surge à frente, mas o caminho não está livre.
No alto dos degraus, Adriele os espera.
Impecável, uniforme justo, cabelo cacheado caindo como moldura felina, flanqueada por sua própria equipe de seguranças de elite.
Ela sorri, divertida, condescendente, como se estivesse assistindo a um espetáculo.
"Aonde vocês pensam que vão?"
O close vem em Herika. O peito sobe e desce, a respiração pesada, mas o olhar continua em brasa, fixo em Adriele.
"Pessoal. Nada de recuar. Vamos continuar avançando."
"AVANTE!" — ecoam os ativistas, em coro atrás dela.
O ar entre as duas líderes fica denso. Adriele, no alto, com calma predatória, postura de caçadora. Herika, embaixo, a fúria organizada de uma invasora que não aceita voltar pra casa de mãos vazias.
"Ninguém passa pela gente. Isso é uma ordem." — diz Adriele aos seus seguranças, sem tirar os olhos de Herika.
Na última imagem, os dois grupos avançam um contra o outro, como duas ondas prontas para colidir.
O novo embate, menor, mais íntimo e muito mais letal, está prestes a começar.
Enquanto dentro da sala de contenção das preguiças, o tempo parece andar mais devagar. Vanessa está de pé diante de uma jaula de vidro, encarando uma das criaturas.
O animal está apático, triste, os olhos perdidos num ponto qualquer. A expressão dela é um espelho: pura empatia misturada com raiva contida.
(Pensamento)
Poxa, bichinhos... Queria tanto ajudar vocês, mas não sei como...
Então algo acende — não na sala, mas na mente dela.
Vanessa se vira devagar e seus olhos encontram um terminal de controle central: uma tela, vários botões, uma coluna de comandos no meio da sala.
(Pensamento)
Espera um pouco...
O close captura o sorriso que nasce no canto dos lábios. É o sorriso astuto da repórter investigativa, aquela faísca de quem conecta o que viu com o que pode fazer.
(Pensamento)
Ainda bem que eu prestei atenção em como o Doutor operava essa tralha... Fui "assistente" por um tempo, afinal.
Com um movimento decidido, Vanessa estende a mão e aperta um grande botão vermelho no terminal, marcado com: "LIBERAÇÃO DE EMERGÊNCIA".
KLUNK!
Num painel amplo, todas as portas das jaulas de vidro se abrem ao mesmo tempo, expelindo um jato de ar comprimido. O som toma a sala, seguido de um novo alarme estridente.
KSSSHHHHHHHHH!
KLAXON! KLAXON! KLAXON!
A jaula se torna menos prisão e mais ponto de partida — e Vanessa acabou de puxar o gatilho da próxima fase do caos.
Em seu laboratório o Dr. Marcos Cruz observava o caos. O gênio da genética ignorava a gritaria dos assistentes; aquilo era só ruído fora de sua equação.
Ele focava em restabelecer a ordem.
De repente, sua concentração foi rompida.
A tela principal, com os dados críticos, saturou. O visor piscou em um vermelho violento e pulsante. O alerta soou, urgente:
'VIOLAÇÃO DE SEGURANÇA. CONTENÇÃO 244 FOI COMPROMETIDA'
O close no rosto de Marcos mostra o choque instantâneo, quebrando por um momento a fachada de controle absoluto.
"Contenção 244? A área das preguiças... Como?!"
Os dedos voam pelo teclado, furiosos.
Ele acessa o sistema de câmeras da área.
A imagem surge na tela: Vanessa, de pé, ao lado do painel de controle ainda aceso, o botão de emergência claramente acionado.
O próximo quadro mergulha só nos olhos de Marcos. Eles ardem com uma fúria fria, quase cirúrgica.
(Rosnando)
"Como... como essa anomalia foi parar lá?!"
Sem perder mais um segundo, ele sai da sala como um furacão, empurrando funcionários, ignorando perguntas, atropelando o próprio protocolo.
"Patético! Toda essa confusão externa invalida o sistema de segurança. Irrelevante! Eu mesmo resolvo a falha. É hora de o gênio assumir o controle!."
(Pensamento)
Não posso deixar as preguiças escaparem. Elas são preciosas demais!
Marcos chega à porta da sala de contenção, passa o cartão-mestre no leitor com mão trêmula de raiva.
BEEP-BLIP!
VMMMMMP...
A porta se abre. A visão que o recebe é um pesadelo científico: todas as jaulas abertas, algumas preguiças começando a sair lentamente, cambaleantes, como se acordassem de um transe químico. Mas há um detalhe ainda mais gritante.
A sala está vazia de gente.
"Inexplicável. Onde está aquela... Anomalia? Esta ausência é um erro lógico grave. Como esta variável escapou ao meu controle?."
Dr. Marcos ainda vasculha a sala de contenção, os olhos correndo entre jaulas abertas e preguiças cambaleando.
Ele dá mais um passo, tentando entender para onde Vanessa poderia ter ido — e então, bem à sua frente, algo explode em movimento.
De baixo de uma mesa de metal, Vanessa salta como uma mola liberada, lançando o corpo contra o dele.
Num painel de ação seco, ela usa todo o peso e, principalmente, o elemento surpresa.
O impacto é direto, bruto, empurrando o cientista para trás como um aríete humano. Marcos não tem tempo de levantar as mãos, nem de formular um xingamento.
A cabeça dele acerta a parede de concreto com um som seco.
THWACK!
Os olhos reviram. O corpo perde toda a elegância e rigidez do gênio da genética, desabando no chão como um boneco de pano.
Ofegante pela adrenalina, Vanessa se ajoelha sobre o corpo inconsciente e, sem hesitar, arranca o cartão-mestre de acesso do pescoço dele.
O crachá balança um instante entre os dedos, antes de sumir no bolso do jaleco. No rosto dela, brilha uma determinação feroz.
Ela se levanta e encara as preguiças, que observam a cena, assustadas, algumas ainda tentando entender a liberdade recém-conquistada.
A voz de Vanessa sai suave, quase um segredo:
"Amiguinhas... eu vou dar um jeito de salvar vocês. Eu prometo."
Em seguida, dispara para fora da sala, um borrão no corredor iluminado em vermelho.
(Pensamento)
Droga! Preciso do furo! Não posso perder o timing nem a chance de ter o material pra expor esses bandidos. Já é!
Logo chega à porta do laboratório principal de Marcos. Passa o cartão-mestre roubado no leitor.
BEEP!
VMMMP...
A porta se abre. Lá dentro, Vanessa vira um furacão. Gavetas são puxadas, papéis voam, pastas caem ao chão.
Ela revira tudo, movida pelo desespero de encontrar a "arma do crime" antes que alguém perceba sua ausência.
E então ela vê.
Sobre o painel de controle central, deixada para trás na pressa, repousa uma cápsula com líquido dourado brilhante.
A luz fria do laboratório faz o conteúdo reluzir como algo proibido. Num close dramático, a mão de Vanessa se fecha ao redor da cápsula.
No reflexo do vidro, seu rosto surge com uma expressão de pura euforia e vitória.
(Pensamento)
O Soro Gênesis... A evidência principal! Não posso perder este furo! A justiça vai começar agora. Eu te peguei, seu canalha!
O clima de redenção e vitória e contrastado com o de guerra e violência.
A batalha na entrada do laboratório virou um inferno.
Bombas de fumaça cobrem tudo com uma névoa espessa; apenas os flashes azuis dos tasers dos seguranças cortam o ar, junto com vultos de ativistas que avançam e recuam, trombam, caem, se levantam.
É uma dança caótica de violência, onde ninguém enxerga o todo — só o próximo golpe.
Toda guerra tem seu epicentro.
O ponto para onde todos os olhos se viram.
O duelo que decide o destino da batalha.
No coração desse turbilhão, Herika e Adriele se encaram. Herika está ofegante, rosto sujo de fuligem, suor e poeira, empunhando a haste de madeira pontiaguda de um cartaz quebrado como se fosse uma lança primitiva.
Em frente a ela, Adriele parece o oposto: limpa, calma, mãos vazias, corpo tenso de felino pronto para o bote.
Herika parte para o ataque, soltando um grito de guerra. A lança improvisada corta o ar em golpes rápidos, furiosos.
SWISH! SWISH! VUP!
Adriele não recua um passo. Ela se esquiva de cada golpe por centímetros, girando, abaixando, inclinando o corpo com uma agilidade quase sobrenatural.
Para ela, aquilo não é uma luta — é uma dança.
Num movimento-relâmpago, Adriele se abaixa e aplica uma rasteira perfeita.
Herika perde o equilíbrio.
Antes mesmo de tocar o chão, Adriele já está no ar, caindo sobre ela com precisão, imobilizando-a em uma chave de corpo.
Fica por cima, vitoriosa, o rosto colado ao de Herika, que a encara com mistura de ódio e surpresa. O ronronar característico escapa de Adriele, desta vez de prazer em dominar o confronto.
rrrnnnn...
No auge do embate, porém, algo quebra o foco da "felina-voraz".
O olhar dela se ergue e os olhos azuis se arregalam em choque. Ao fundo, afastando-se do laboratório, uma pequena figura ruiva de jaleco corre com tudo: Vanessa.
(Pensamento)
Como... Como ela fugiu?!
A distração dura só um segundo. Suficiente.
Um Grupo de ativistas aproveita a brecha e se lançam sobre Adriele, agarrando braços, ombros, tentando arrancá-la de cima de Herika.
A chave se desfaz no caos.
Herika sente o peso sair do peito.
Livre, ela se ergue meio cambaleante. Um dos ativistas, enquanto luta para segurar uma Adriele que se debate como fera enjaulada, grita:
"VAI, KIKA! NÓS CUIDAMOS DESSA AQUI! VAI!!!"
Herika olha para os amigos se sacrificando por ela.
Por um instante, a hesitação atravessa o rosto — o conflito entre ficar e lutar ao lado deles ou seguir em frente. Esse instante morre rápido.
A determinação de aço toma o lugar da dúvida.
Ela faz um último aceno de cabeça, um "obrigado" silencioso, e dispara em direção à porta principal do laboratório, deixada entreaberta pela passagem de Vanessa.
O destino da batalha, aos poucos, migra das ruas para dentro das paredes de vidro e concreto.
Dentro do laboratório, a câmera encara a porta de entrada pelo lado de dentro.
Herika surge ali — suja de fuligem, ofegante, ainda carregando o peso da batalha do lado de fora.
O contraste é brutal: ela, orgânica, quebrada, no meio de um ambiente estéril, ultra-tecnológico, banhado por luzes frias e monitores brilhando.
Ela dá alguns passos e para, ao mesmo tempo maravilhada e repelida por tudo aquilo.
Dentro da fortaleza. Onde a guerra de rua dá lugar ao silêncio frio da ciência.
(Pensamento)
Nossa... pra que tudo isso? Qual a finalidade de toda essa tecnologia...
Ela segue pelo corredor, cautelosa, os sentidos ainda em modo de combate.
À frente, uma porta entreaberta chama sua atenção — a placa indica a área de contenção.
O instinto grita que ali tem algo errado.
Herika empurra a porta devagar, como se esperasse um ataque a qualquer momento, e espreita para dentro, o rosto tenso.
Do ponto de vista dela, a sala se revela: jaulas de vidro abertas, cabos soltos, algumas preguiças ainda se movendo devagar, tentando entender a liberdade.
No centro do espaço, um homem de jaleco branco está caído de bruços no chão. Ao lado da cabeça, uma pequena poça de sangue se expande.
O instinto de bióloga e de ser humano fala mais alto. Herika corre até ele, se ajoelha ao lado, leva a mão ao ombro do homem para checar se ainda respira.
Com cuidado, vira seu rosto.
O sangue gela.
O close pega a expressão de Herika: olhos arregalados, horror estampado, a respiração presa no peito. Não é só choque — é reconhecimento. História.
(Sussurrando, a voz falhando)
"Não... não pode ser... Ele."
O passado invade a cena como um soco.
No painel de flashback, as bordas ficam suaves, as cores mais frias e desbotadas — memória dolorosa.
Uma Herika muito mais jovem, com uns dezoito anos, o rosto inchado de tanto chorar, está em um quarto de hospital.
À sua frente, um Dr. Marcos Cruz mais jovem, mas com a mesma expressão impassível, postura dura de cientista.
Entre os dois, em uma cama, a mão pálida e sem vida de alguém coberta por um lençol.
A dor, o desespero e a impotência pairam no ar como outra forma de anestesia.
A ferida que Herika traz desde então acaba de se abrir de novo, bem no meio do laboratório onde tudo está prestes a explodir.
Nesse momento o Mustang conversível de Mauro Magnus rasga o asfalto e canta pneus antes de parar bruscamente diante do caos.
Ao volante, Magnus é uma estátua de fúria gelada.
Logo atrás, viaturas da Polícia Militar chegam em comboio, sirenes rasgando o ar, incluindo um caveirão pesado. Portas se abrem, policiais fortemente armados desembarcam em formação.
Quando a força privada não é suficiente... o poder de verdade convoca o braço armado do Estado.
WEEEE-OOOOH-WEEEE-OOOOH!
No meio da multidão, Fernando ainda está soterrado por dezenas de ativistas que se agarram a ele como formigas em um gigante.
Ele ouve um som familiar o potente motor de um Mustang e Magnus que chega ao local.
Uma urgência diferente acende em seus sentidos.
Com um rugido de pura força e adrenalina, Fernando explode.
Sacode o corpo e arremessa ativistas para longe como bonecos de pano.
Braços e pernas voam, alguns caem pesados no chão. É uma demonstração de poder brutal, quase sobre-humano.
RRRAAAGH!
Com o terno rasgado, respiração pesada, Fernando avança até Magnus. Para à frente do chefe, cabeça levemente baixa em respeito, voz firme apesar da falha.
"Relatório da situação, senhor. O número de manifestantes era superior ao previsto. O perímetro foi rompido."
O close pega o rosto de Magnus.
Ele não parece enfurecido no sentido clássico.
Ele sorri.
Um sorriso fino, carregado de desprezo e indignação — muito mais assustador que um berro.
(voz baixa, quase um sussurro)
"O que eu faço com você..."
De repente, a represa estoura. Magnus explode, gritando na cara do gigante, que permanece imóvel, recebendo a tempestade:
"...seu IDIOTA?! EU DISSE QUE NÃO QUERIA FALHAS!"
Enquanto isso, a tropa de choque avança em formação. Bombas de gás lacrimogêneo são lançadas contra a multidão de ativistas.
FWOOSH! POP! FWOOSH!
A nuvem de gás engole tudo.
Gritos viram tosse, correria, gente tropeçando, olhos ardendo.
A manifestação se desfaz em pânico.
A guerra, pelo menos ali fora, termina sufocada.
Magnus se vira, agora ignorando Fernando como se fosse apenas mais uma peça defeituosa. Ele se prepara para acompanhar a polícia para dentro do laboratório, os olhos varrendo o cenário destruído.
Então, para.
Do ponto de vista dele, através da fumaça e da confusão ao fundo da rua, uma imagem se destaca: uma figura ruiva, vestindo um minúsculo jaleco que mal cobre suas partes, correndo e pulando apressada para dentro de uma van da Rede News.
Vanessa.
A cena é um caos ao lado da van da Rede News.
Vanessa praticamente empurra o cinegrafista e a repórter para dentro do veículo.
Na mão erguida como um troféu, a cápsula brilhante do Soro Gênesis reluz sob a luz cinzenta do gás. No rosto dela, pânico e euforia se misturam.
"VAMOS, VAMOS! EU TENHO A PROVA! A PROVA QUE A GENTE PRECISAVA! RÁPIDO!"
Dentro da van, tudo vira um turbilhão. O motorista já gira a chave na ignição enquanto os outros se jogam nos bancos, tentando fechar a porta ainda com a fumaça entrando.
"VOCÊ CONSEGUIU, SUA MALUCA! EU NÃO ACREDITO!"
— grita o cinegrafista.
"PISA FUNDO, JUCA! TIRA A GENTE DAQUI!"
— a repórter completa.
A van canta pneus e dispara pela rua, sumindo em meio à cortina de gás lacrimogêneo.
SKREEEEEEEEECH!
Do lado de fora, Magnus está parado junto ao Mustang, acompanhando com o olhar frio e calculista a fuga do veículo da Rede News.
Fernando, ainda ofegante, permanece ao seu lado.
(voz baixa, perigosa)
"Aquela 'assistente'... Ela pegou alguma coisa."
O close no rosto de Magnus congela a ameaça.
Os olhos, como lascas de gelo, se voltam para Fernando.
"Se eles escaparem, Fernando... você volta para o tubo de ensaio."
Por trás dos óculos escuros, algo raro acontece: o músculo da mandíbula de Fernando se contrai. É um espasmo quase imperceptível — mas é medo.
Memória de algo que ele jamais quer reviver.
Magnus não espera resposta.
Empurra o segurança para o banco do passageiro do Mustang e assume o volante, como quem reclama o papel de caçador principal.
"Rápido. Eu dirijo."
O Mustang responde como uma fera convocada.
O motor V8 ruge alto, ecoando pela rua como um trovão — o som de um predador começando a caçada.
VROOOOARRRRR!
No laboratório a câmera sobe de baixo para cima, impondo a figura de Herika de pé sobre o corpo desmaiado do Dr. Marcos.
O rosto dela é um vulcão prestes a explodir — indignação, ódio antigo, uma história inteira de dor condensada ali. As mãos fechadas em punhos tremem.
(rosnando, a voz cheia de veneno)
"Monstro... finalmente eu te..."
A frase morre no meio. O olhar de Herika desvia, pela primeira vez, das costas do cientista caído e se fixa nas fileiras de jaulas das preguiças à frente.
Por um segundo, a missão original — proteger os animais, expor o horror — volta à superfície. Mas esse segundo chega tarde demais.
O olhar dela fica vago. O corpo enrijece.
A câmera se move para trás, revelando Adriele logo atrás, terminando o movimento de um golpe preciso, brutal, na nuca de Herika com a lateral da mão.
THOK!
Um par de botas de combate femininas entra no quadro. Em primeiro plano, desfocado, o corpo de Herika começa a desabar lentamente em direção ao chão, como uma árvore cortada.
Agora vemos Adriele de pé, vitoriosa, sobre os dois corpos caídos. A expressão é de pura satisfação predatória.
(com um ronronar vitorioso)
"Essa gata... sempre pega a sua presa."
Mas a vitória dura pouco.
O sorriso some do rosto dela.
Os olhos azuis se arregalam ao enfim encarar direito o estado do Dr. Marcos, deitado na poça de sangue. A sensação de caçadora dá lugar ao pânico instantâneo.
"Doutor?"
Num movimento desesperado, Adriele se joga de joelhos ao lado dele.
Ergue a cabeça do cientista com cuidado e a aninha no colo, como se fosse algo frágil demais para o mundo brutal em volta.
A comandante fria desaparece; no lugar, está uma jovem apavorada. Ela ativa o comunicador, a voz já quebrando.
"RÁPIDO! TRAGAM SOCORRO PARA A CONTENÇÃO 244! É UMA EMERGÊNCIA! MÉDICOS, AGORA!"
O close final é no rosto dela.
Lágrimas escorrem sem controle pelas bochechas, misturando-se à fuligem, enquanto ela aperta o corpo inerte contra o peito.
Os sons que escapam são um híbrido estranho de soluços e um choro felino, um miado de pura dor.
(soluçando)
"Doutor Marcos... por favor... o senhor vai ficar bem... vai ficar bem..."
Em um corte rápido para dentro da van da Rede News, o clima de comemoração evapora em segundos.
O motorista, Juca, está com os olhos arregalados, fixos no retrovisor. As mãos apertam o volante com tanta força que os nós dos dedos embranquecem.
A vitória, às vezes, dura apenas o tempo de uma arrancada...
(com a voz tensa)
"Eita! Galera, se aprume aí. Tem um carro no nosso cangote. E ele tá chegando numa carreira do cão!
Vanessa se atira para a parte de trás da van, escorregando entre os equipamentos até alcançar a janela traseira.
Ela se apoia no vidro, respirando rápido, tentando enxergar através da fumaça e do trânsito.
Do ponto de vista dela, no meio dos carros, um Mustang conversível costura de forma agressiva, quase predatória, se aproximando como um tubarão em mar raso.
O close em Vanessa revela o rosto ficando pálido. O reconhecimento é imediato.
(gritando)
"É O MAURO MAGNUS! ACELERA, JUCA, ACELERA!"
A outra repórter entra em pânico, olhos cheios de desespero.
"É impossível fugir dele! É um Mustang! O que a gente vai fazer?!"
O cinegrafista, ainda com a câmera nas mãos, solta a pergunta que ninguém quer encarar:
"Ó só, mas por que o Mauro Magnus ia botar a gente na cola? Que coisa estranha! Não faz o mínimo sentido!""
Vanessa responde com uma realização amarga, quase um gosto ruim na boca:
"Ele deve ter me visto... Aquele desgraçado me viu entrar na van."
Lá fora, o Mustang se emparelha violentamente com a van.
Os dois veículos correm lado a lado, engolindo o asfalto. De dentro, Juca grita:
"Mainha do céu! Ele tá aqui no cangote, visse? Tá do ladinho! Vambora!"
Um close pega o rosto de Magnus.
Ele dirige com uma mão só, rosto imóvel, fúria fria estampada nos olhos.
Nem precisa olhar para a van.
Basta dar a ordem:
"Fernando. Dê um jeito neles. Agora."
Do ponto de vista de dentro da van, o mundo parece desacelerar por um segundo.
No Mustang, Fernando começa a se erguer no banco do passageiro.
O vento bate com força no terno rasgado, mas ele se levanta com uma calma impossível, ficando de pé dentro do conversível em movimento.
É uma visão que não faz sentido — um gigante equilibrado sobre um carro em alta velocidade.
Dentro da van, o motorista Juca está pálido, mãos coladas ao volante, olhos arregalados de puro terror enquanto encara o Mustang ao lado.
(com a voz em pânico)
"Valei-me, meu Deus! Vocês tão... tão vendo?! É o negão careca com aqueles óculos escuros... o capanga do cabôco [Magnus]! Vixe! o, diacho!
Vanessa se vira para a frente, o coração já acelerado:
"O que tem ele, Juca?!"
Do ponto de vista do motorista, a cena é absurda: Fernando está de pé no banco do passageiro do conversível, em alta velocidade, o corpo tenso como uma mola prestes a disparar.
(voz em off, incrédula)
"Eita! Vocês tão ligados? Ele tá tomando carreira pra pular na gente! Segura firme, porque o bicho vai pegar agora!"
TODOS (em coro, em choque):
"O QUÊ?!"
O painel final é de reação: o cinegrafista, a repórter e o motorista encaram a cena em puro choque, a boca aberta, olhos arregalados.
A lógica foi abandonada na beira da estrada.
A esperança de fuga morre ali.
O que resta agora é só terror.
Num splash page de tirar o fôlego, Fernando está no ar — um colosso de terno negro voando entre o Mustang e a van.
O asfalto abaixo vira um borrão de velocidade.
O movimento é impossível, sobre-humano.
Ao fundo, ainda dentro do Mustang, Magnus observa tudo com um interesse frio, clínico — a face profana do poder em ação.
Dentro da van, o impacto chega como um trovão. O teto se entorta para baixo com violência, como se uma pedra gigantesca tivesse despencado sobre eles.
O veículo inteiro sacode.
KRA-THOOOOOOOM!
O caos toma conta. Todos são arremessados de um lado para o outro. Vanessa se agarra ao que pode, o rosto em puro pânico:
"MEU DEUS! O QUE FOI ISSO?!"
De cima, vemos Fernando rastejando pelo teto amassado, avançando em direção à frente da van como uma aranha enorme, implacável.
Do ponto de vista de Juca, o terror ganha rosto: a cabeça de Fernando surge de cabeça para baixo, do lado de fora do para-brisa.
O gigante, impassível por trás dos óculos escuros, encara o motorista como se o estivesse pesando.
(gritando, voz esganiçada)
"Eita porra! Ele tá bem na frente da gente! Tá aqui, véi! Se lascamos!!"
O painel explode em gritos. Todos na van berram ao mesmo tempo, um coro de puro desespero.
"AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH!"
Por cima do pânico, a voz de Vanessa atravessa como uma ordem desesperada:
"SE LIVRA DELE, JUCA! FAZ ALGUMA COISA, AGORA!"
Dentro da van, o mundo vira de cabeça para baixo. Em um ato de puro desespero, Juca a vista uma saída em direção à praia e numa velocidade absurda gira o volante com toda a força, quase arrancando o do eixo.
(gritando)
"SEGURA!"
Do lado de fora, a cena é insana: a van da Rede News praticamente sobe na lateral, equilibrada precariamente em duas rodas, pneus gritando no asfalto.
SKREEEEEEEEEEEEEEEE!
Por um segundo eterno, parece que o veículo vai capotar.
No splash page, tudo se resolve — e piora.
A van cai de volta sobre as quatro rodas, sacudindo todo mundo lá dentro.
E como se fosse algo inacreditável, Fernando o colosso agora surge como um fenômeno de pé. Perfeitamente equilibrado no capo da Van.
O vento chicoteia o terno já odo rasgado, mas ele permanece firme como uma rocha, óculos escuros intactos.
A imagem desafia a gravidade e a lógica: uma força implacável em forma humana.
Num pequeno painel sobreposto, vemos os rostos de Vanessa e da equipe dentro da van.
O pânico dá lugar a algo ainda mais profundo: choque absoluto, uma espécie de admiração aterrorizada. Eles estão presenciando o impossível.
A perseguição segue agora segue pela orla.
A van acelera por uma avenida à beira mar.
À direita, a imensidão dó oceano; à esquerda, o possante e brilhante Mustang de Magnus.
Avenida Atlântica. Onde a cidade encontra o mar... e o desespero encontra o inevitável.
O Mustang de Magnus continua emparelhado com a van. Um close no rosto dele mostra a pele avermelhada de fúria, a paciência esgotada.
(gritando)
"AGORA, SEU IMBECIL! PARE ELES! AGORA!"
Enquanto isso ali na praia parece outro planeta.
O sol já está alto, a luz clara e dura faz o mundo brilhar. JC ainda dorme na areia, exatamente onde desabou horas antes.
Ao lado dele, o celular vibra, insistente.
BIP-BIP... BIP-BIP...
Ele desperta, piscando contra a claridade, se senta devagar e desliga o alarme.
A tela está cheia de notificações do grupo de "trades", números e chamadas piscando como se o universo financeiro não tivesse parado nem por um segundo.
JC ignora tudo. O olhar se perde no horizonte, pesado, melancólico.
(pensamento)
Que noite... Herika... meu pai... Nossa. Era pra esquecer.
Por um momento, o mundo o deixa em paz. Ele abraça os joelhos, sentado na areia, só observando as ondas calmas quebrando na faixa de areia.
É uma cena bonita, quase meditativa — um pouco de silêncio tentando pousar num coração turbulento.
A paz dura pouco.
JC vira a cabeça num sobressalto. Um som violento rasga o ar vindo da avenida lá em cima.
SKREEEEEEEEEECH!
Do ponto de vista dele, a tranquilidade da praia é invadida pelo caos.
Na Avenida Atlântica, a van da Rede News derrapa, quase fora de controle.
Em cima dela, a figura massiva de Fernando.
Ao lado, o Mustang conversível de Magnus, colado, como um predador que não larga a presa.
O mundo de JC é atropelado, literalmente, pela guerra que ele não sabia que já tinha começado.
Do lado de fora da van, tudo acontece num único segundo alongado.
Fernando com um poderoso soco atravessa o para-brisa em meio a uma chuva de vidro.
KRA-SHAAAASH!
O golpe atinge Juca com uma potência absurda.
O som seco e oco do impacto — a quebra da estrutura humana — é a última coisa que se ouve.
Seu rosto é esmagado pelo punho do gigante, destroçado como um saco de ossos triturados.
O volante e o painel reagem com uma deformação metálica à força do impacto.
O veículo segue incontrolável. Não há reação. O ataque foi cirúrgico e fatal..
SKRUNCH!
Dentro da van, Vanessa e o resto da equipe congelam. Os rostos se deformam em um grito que parece não encontrar saída, misto de terror e incredulidade diante do impossível.
Para uma força da natureza, não existem obstáculos — apenas coisas que ainda não foram esmagadas pelo caminho.
O corpo sem vida de Juca despenca sobre o painel destroçado. Sem ninguém no controle, a van puxa para o lado de forma brusca e inevitável, atravessando a faixa e atingindo em cheio a lateral do Mustang de Magnus.
SKREEEEEE-CRUNCH!
O Mustang é arremessado para fora da pista, girando desgovernado até encontrar uma árvore no acostamento.
A frente do carro de luxo se amassa inteira, virando uma escultura de metal retorcido.
CRUUUUUUNCH!
A van, por sua vez, entra numa sequência caótica. Primeiro, inclina, levantando duas rodas; depois, sobe, girando no ar; em seguida, vira completamente de cabeça para baixo.
O mundo vira um redemoinho de metal e vidro, capotando varias vezes.
O Gigante Voraz acaba sendo envolvido nesse turbilhão desgovernado até que o veículo cai com o teto no asfalto, arrastando, soltando faíscas numa trilha de destruição e deixando um rastro de sangue no asfalto.
Quando tudo finalmente para, a van está tombada de cabeça para baixo, fazendo com que o Fernando desaparecesse.
A fumaça começa a subir, o cheiro de fumaça se espalha os ferros retorcido rangem.
Por alguns instantes, não há gritos — apenas silêncio e devastação.
...apenas inconveniências a serem removidas.
Na areia da praia, JC testemunha tudo de longe, o coração disparando.
O horror da cena toma conta do rosto dele.
Mas, ao invés de congelar, ele se move.
Sem pensar duas vezes, começa a correr em direção à estrada, subindo o barranco, indo direto para o epicentro do desastre.
Ele é o único que corre para ajudar.
A visão volta como se emergisse debaixo d'água.
Em primeira pessoa, o mundo é um borrão branco. Aos poucos, o teto estéril de uma enfermaria ganha foco. O Dr. Marcos leva a mão à cabeça e sente bandagens grossas envolvendo o crânio.
(pensamento, voz fraca)
"Onde... onde estou...? O que é isso?"
Agora o vemos de fora. Marcos está sentado em uma cama de recuperação, ainda pálido. Ao lado, em uma cadeira, Adriele se inclina para a frente.
O rosto dela mistura alívio e uma devoção quase infantil — é a primeira vez que a vemos tão abertamente preocupada.
(com a voz suave)
"O senhor acordou! Que bom..."
"Adriele... o que estou fazendo aqui?"
A felina preocupada e com alegria na voz responde:
"Nós o encontramos na contenção das preguiças. Desmaiado."
A memória atinge Marcos de uma vez só.
O close pega o rosto se contorcendo, a fúria fria voltando aos poucos.
(rosnando, clínico)
"Foi aquela... Anomalia."
Adriele entende outra coisa.
Para ela, só pode ter sido a "outra" prisioneira.
O rosto se enche de desprezo.
"Com certeza. Foi aquela ativista radical que o atacou, não foi?"
(levemente confuso)
"Ativista?"
Ela pega um tablet e entrega a ele.
Na tela, a imagem de câmera de segurança: Herika, vestindo apenas roupas íntimas, encolhida no canto da cela de contenção. Fria. Humilhante.
A Contenção. Uma ferramenta cirurgicamente precisa para desmantelar uma pessoa.
Marcos observa a imagem por um instante.
A raiva que marcava o rosto começa a se dissolver, substituída por um sorriso lento.
Nos olhos, acende-se um brilho de inspiração maligna.
"Não, minha querida felina. Quem me acertou foi a repórter..."
Ele desvia o olhar do tablet para Adriele, o sorriso se alargando de forma quase maquiavélica.
"...O imprevisto, afinal, gerou a amostra perfeita. Conseguimos, minha cara, um capital científico que supera qualquer protocolo inicial. Infinitamente mais valioso.."
Adriele, ao perceber a satisfação do Doutor, relaxa. Um ronronar de puro contentamento escapa de seus lábios enquanto o observa.
rrrnnnn...
De volta ao acidente dentro da van destruída, a consciência de Vanessa retorna como se atravessasse uma neblina de dor.
Em primeira pessoa, tudo está embaçado.
A luz do sol invade por frestas retorcidas da lataria, criando um halo ofuscante ao redor da silhueta de um homem que surge na porta.
Por um instante, para ela, é a própria imagem da morte vindo buscá-la.
Do lado de fora, JC força as portas amassadas até conseguir abri-las.
A visão que ele tem é um pesadelo: corpos jogados, destroços, cheiro de sangue e combustível. O rosto dele se contrai em choque.
"Meu Deus... Tem algum sobrevivente aí?!"
(voz fraca, em off)
"Eu..."
Ele foca. Entre o caos, uma mulher ruiva, ensanguentada, mas consciente.
"...eu tô aqui. Ainda estou viva."
O instinto de JC entra em modo automático.
Ele pega o celular, o semblante sério, focado no protocolo do "certo".
"Calma, fica calma. Eu vou ligar para a emergência, chamar o socorro..."
Mas o rosto de Vanessa muda de imediato.
A dor do corpo não a assusta tanto quanto o que pode vir de fora. O pânico toma conta.
(gritando, em desespero)
"NÃO! Não chama ninguém! Você precisa me tirar daqui! AGORA! POR FAVOR!"
JC recua um pouco, perplexo com a reação, tentando manter a calma. Olha ao redor, para os outros corpos na van.
"Senhora, por favor... calma. O acidente foi feio. A gente precisa saber quem mais está ferido, quem precisa de ajuda urgente. Me diz o que você viu. Tem mais alguém por perto?"
Vanessa olha em volta e vê seus companheiro mortos e responde.
(entre lágrimas de dor e luto)
"Estão mortos."
JC engole seco, atingido pela frieza cruel do fato.
"Cara... eu tenho que chamar a polícia. A coisa aqui é feia."
De repente, a van inteira treme. Um solavanco brutal vem de baixo, acompanhado de um gemido metálico assustador.
Poeira e pequenos pedaços do teto amassado se soltam e caem.
GRRRROOOOAAAAANNNNNK!
O close vai pros olhos de Vanessa.
Ela olha para baixo, para uma fresta no piso retorcido da van. O que vê ali desafia qualquer lógica.
O terror toma conta do rosto.
(sussurrando)
"É... impossível..."
Do lado de fora, JC dá um passo para trás, olhando em volta, tentando entender.
"O que porra foi essa?!"
Vanessa se vira para ele, o rosto banhado em lágrimas de puro pavor.
A súplica é de alguém que sente o monstro se aproximando.
"MOÇO, POR FAVOR! ME TIRA DAQUI ANTES QUE O PIOR ACONTEÇA!"
"Caraca, Senhora! Isso não é só acidente, não!... Mano, isso é uma cena de crime, qual é? PQP, a coisa é muito mais sinistra do que parece".
Do outro lado do acidente, o poder também sangra. O Mustang de Magnus está destruído, a frente esmagada contra uma árvore. Dentro, o bilionário jaz desacordado, o rosto afundado no airbag branco.
Mesmo os reis, às vezes, sangram.
De volta à van, Vanessa tenta se mexer.
Um grito de dor rasga o ar. Ela olha para baixo e vê a própria perna presa, torcida em um ângulo errado.
(grunhindo de dor)
"Argh... Droga... Acho que eu fraturei a perna."
Do lado de fora, JC permanece imóvel por um instante, paralisado entre o certo e o urgente.
O rosto é um turbilhão de preocupação e pânico.
(pensamento)
Mano, qual é, o que eu faço agora?! Isso aqui é cena de crime, não posso contaminar... Mas se eu não fizer nada, ela vai rodar! Pô, tá ligado? Que sufoco!...
A van balança de novo, com mais força.
Um som de metal sendo arranhado por algo pesado percorre a lataria.
SKRRRRAPE!
"Caralhas, Que parada doida e essa Van se mexendo ?!"
O close pega o rosto de Vanessa, apavorado.
(voz trêmula)
"Você não vai querer saber."
Ela encara JC, olhos cheios de lágrimas, suplicantes.
"Moço, por favor, me ajuda... ME TIRA DAQUI!"
É o bastante. A decisão se faz. O rosto de JC muda — deixa de ser o de um espectador assustado para se tornar o de alguém que assume a responsabilidade.
Ele se enfia na van destruída.
No meio do caos, surge um painel quase terno.
JC levanta Vanessa com o máximo de cuidado que consegue, apoiando o corpo dela nos braços, protegendo a perna ferida. Ela está fraca, à beira do desmaio, drenada pela dor e pelo sangue perdido.
Close no rosto de Vanessa, aninhado no ombro dele. Os olhos quase fechados, ela ainda encontra forças para sussurrar:
"Moço... você... você foi um anjo."
Carregando Vanessa, JC sai da van e corre pela areia em direção ao seu carro, o HB20 Amarelo. A expressão é de urgência pura.
"PQP! Isso não vai dar certo! Preciso te levar pra um hospital, rápido! Senhora, a UPA tá logo ali! a gente vai correr pra lá. Segura firme!."
O carro arranca, cantando pneus na areia antes de ganhar o asfalto.
VRUUUMMM
Ao fundo, ficam a van destruída e o Mustang amassado — uma cena de crime, uma bomba-relógio prestes a explodir, enquanto o improvável "anjo" tenta salvar quem ainda pode ser salva.
Der repente como uma explosão súbita a carcaça destruída da van da Rede News voa pelo ar como se fosse um brinquedo descartado por uma força invisível.
O metal retorcido se ergue, gira e se despedaça no céu antes de despencar em pedaços sobre o asfalto.
VVVROOOOMPH!
No lugar onde a van estava, há agora uma cratera fumegante na rua. No centro dela, algo se move. A figura colossal de Fernando começa a se levantar, empurrando destroços para o lado como se fossem escombros leves. Ele está vivo — inteiro demais para fazer sentido.
Fernando está sentado em meio aos destroços. O terno virou farrapos, o corpo está riscado de escoriações e sangue, mas ele permanece estranhamente calmo, como se o que acabou de acontecer fosse apenas um contratempo.
...mas um milagre de terror.
Com uma tranquilidade assustadora, ele começa a tatear o chão à sua volta, procurando algo entre pedaços de metal, vidro e plástico.
A mão encontra o que busca: seus óculos escuros, milagrosamente intactos.
De costas, o gigante pega seus óculos escuros e os coloca de volta. A ação é mecânica, um gesto de retomada de controle que a tudo congela. Assim que as lentes cobrem o rosto, a expressão se fecha com precisão cirúrgica. O semblante volta a ser uma máscara fria e impenetrável. A besta, por fora, parece de novo guardada na jaula, e só resta o profissional.
Fernando se levanta e avista, ao longe, o Mustang destruído. Sem hesitar, corre em direção ao carro do chefe.
Ao chegar, ele enfia os dedos entre as frestas da porta amassada e a arranca das dobradiças com força bruta como se rasgasse uma folha de papel.
KREEEEEENK!
Mas, logo em seguida, a brutalidade dá lugar a uma delicadeza surpreendente. Ele afasta o airbag e ampara a cabeça de Magnus com cuidado, enquanto o bilionário começa a recobrar os sentidos.
(atordoado)
"Fernando...? Você... os pegou?"
Fernando aponta com a cabeça para o que sobrou da van — um monte de metal retorcido à distância. Na perspectiva dele, a aniquilação foi completa.
(com a voz grave e robótica, paulista)
"Ameaça neutralizada, senhor. Todos mortos."
Um sorriso de pura satisfação se espalha pelo rosto ensanguentado de Magnus. Ele pega o smartphone, com a tela trincada mas ainda funcionando, e faz uma ligação rápida.
"Preciso de uma carona. Urgente. E mande junto o 'serviço de limpeza'."
Ao desligar, volta-se para seu leal, e agora ainda mais assustador, segurança.
"Nossa carona está a caminho. Vamos ao laboratório... está na hora de tomar suas vitaminas."
O close final é nos lábios de Fernando. Pela primeira vez, eles se curvam em um sorriso. Mas não é um sorriso humano. É algo antinatural, faminto, profundamente perturbador — como se alguma coisa dentro dele estivesse acordando e gostando do que sente.
A porta de vidro de uma UPA se abre com violência. JC entra como um furacão: apenas de calça, sem camisa, descalço, o corpo sujo de areia, o peito manchado de sangue que não é dele.
Nos braços, o corpo inerte de Vanessa.
A sala de espera, cheia e barulhenta, congela por um instante. Todos os olhares se voltam para ele.
UPA. Onde a vida e a morte negociam em balcões de fórmica, sob luz fluorescente que nunca se apaga.
(gritando, voz rouca de desespero)
"EMERGÊNCIA! AJUDA AQUI, PELO AMOR DE DEUS! MULHER FERIDA!"
A reação é imediata. Médicos e enfermeiras correm em sua direção empurrando uma maca. O caos se reorganiza em protocolo.
"PRA CÁ! RÁPIDO! O QUE ACONTECEU COM ELA?!"
(ofegante)
"Acidente... um acidente de carro... ela tá perdendo muito sangue..."
Enquanto transferem Vanessa dos braços de JC para a maca, a câmera fecha no rosto dela.
Os olhos se abrem por um breve instante — um lampejo de consciência, puro instinto.
A mão fraca e trêmula se move discretamente do bolso do jaleco em direção à calça de JC.
Ele olha para o médico, não percebe.
Outro close acompanha a mão de Vanessa.
Com as últimas forças, ela desliza a cápsula dourada do Soro Gênesis para dentro do bolso do calção dele.
Um gesto pequeno, secreto, desesperado.
A prova não pode ser perdida.
Logo em seguida, ela apaga de novo.
A equipe médica dispara pelo corredor, empurrando a maca.
(um médico gritando)
"TRAUMA CRANIANO APARENTE, SUSPEITA DE HEMORRAGIA INTERNA! MÚLTIPLAS ESCORIAÇÊS e POSSIEL FRATURA NA TIBIA! PRESSÃO CAINDO, ELA TÁ CHOCANDO! PARA A SALA VERMELHA, AGORA! UTI!"
JC tenta acompanhar, mas um segurança grande, com cara de quem já viu de tudo, estende o braço e barra a passagem.
(com voz monótona)
"Segura a onda aí, chefe. Na moral... sei que a situação tá sinistra, mas aqui dentro assim não pode, não. Ou tu bota uma camisa, ou tem que aguardar lá fora. Regra aqui do posto, valeu?"
No painel final, JC fica ali, sozinho, no meio da sala de espera caótica.
Observa as portas da UTI se fechando, levando Vanessa para longe.
Coberto de sangue, atônito, sem saber que, no bolso da sua calça, carrega agora o fardo mais perigoso da sua vida.
CONTINUA.....
